Gargalos travam
ascensão social
Dissertação analisa relação entre estrutura setorial,ocupacional e política econômica
A dinâmica
econômica brasileira promoveu um contingente considerável de
trabalhadores “miseráveis” para a “baixa classe média”, mas pode, por
outro lado, impedir que continuem escalando a pirâmide social: no
mercado de trabalho atual, eles já teriam atingido o seu “cume”. Para
assegurar um crescimento sustentável dos estratos superiores e a
desejada melhoria de nível de vida é necessário reconstruir as
estruturas ocupacionais, trazendo a indústria de transformação novamente
como protagonista da economia. E uma indústria direcionada a atividades
de maior intensidade tecnológica e diversificação, a fim de gerar mais
demanda por serviços e empregos qualificados.
Esta
é a principal conclusão da pesquisa de mestrado de Leandro Horie,
apresentada junto ao Instituto de Economia (IE) da Unicamp, sob a
orientação do professor Waldir Quadros. “Como economista, tenho
observado que desde 2004 houve um forte movimento de geração de postos
de trabalho. O que me intrigava é que, apesar da melhoria de indicadores
como do desemprego e da renda, o nível de precarização do mercado de
trabalho ainda persiste, como a elevada taxa de rotatividade e da
informalidade, ainda que esta última tenha caído. Além disso, a geração
de emprego se concentrou em ocupações com rendimentos de até dois
salários mínimos. Então, meu objetivo na dissertação foi tentar entender
este movimento através das inter-relações entre estrutura setorial,
ocupacional e política econômica no período”.
No
propósito de analisar a estratificação social no Brasil, Leandro Horie
baseou-se na PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE)
nos anos de 1981 (que refletia o cenário econômico do período de 1930 a
1980, de grande crescimento, mas também de exclusão social); 1995 (de
abertura econômica aliada ao primeiro ano do Plano Real, que significou o
fim da aceleração da inflação); 2004 (de retomada do crescimento mais
constante); e 2009, quando foi feito o último levantamento.
Em
relação à dinâmica ocupacional, o autor da dissertação optou por
utilizar a estratificação por classes proposta pelo seu orientador
Waldir Quadros: alta classe média, média classe média, baixa classe
média, massa trabalhadora e miseráveis. “Cada estrato social deve
necessariamente conter determinados tipos de ocupação, como por exemplo,
de engenheiros, professores universitários e profissionais autônomos
(médicos, dentistas, advogados) na alta classe média; e, na base, os
trabalhadores não remunerados entre os miseráveis. Como existem muitas
ocupações, este foi um método de agrupá-las”, justifica.
Declínio da indústria
Leandro
Horie explica que a indústria de transformação vem apresentando um
declínio desde o início da década de 1980, quando faltou investimento
dentro de um cenário de baixo crescimento econômico e forte expansão de
novos paradigmas tecnológicos; e principalmente a partir dos anos de
1990, com a abertura econômica feita de forma abrupta, aliada à política
de valorização cambial do Plano Real. “O emprego na indústria, após um
período de retração na década de 1990, voltou a crescer, mas isto se deu
em torno de setores de menor intensidade tecnológica e mais intensivos
em trabalho, diretamente ligados à dinâmica econômica do período. São
setores que pagam salários menores e que têm uma demanda por
qualificação também menor.”
Se antes a
indústria apresentava uma estrutura hierarquizada do emprego, como
lembra o pesquisador, a década de 1990 foi de terceirização das
atividades. “Dos faxineiros aos diretores, eram todos empregados da
mesma empresa. Hoje, na fabricação de carros, por exemplo, existe, além
da montadora, outra empresa que faz as autopeças, outra de limpeza,
outra de auditoria, tornando-se muito mais segmentada a estrutura
hierárquica. Quem está na linha de produção tem atualmente muito mais
dificuldades de chegar a funções de chefia, já que parte das estruturas
hierárquicas (principalmente as intermediárias) foi extinta.”
Os
serviços “qualificados” (de maiores salários), por sua vez, tiveram um
comportamento mais instável devido ao desempenho da indústria, da qual
são dependentes, aponta o economista. “Os caminhos ocupacionais ficaram
restritos internamente à indústria e a crise do setor provocou um
deslocamento de parte de sua mão de obra (que voltou a crescer
recentemente) para o comércio e serviços, que por natureza possuem
mercados de trabalho muito mais segmentados. Além disso, houve
estruturação do emprego em ocupações que eram consideradas ‘porta de
entrada’ do mercado de trabalho (notadamente no comércio e serviços),
geralmente ocupadas por jovens em início de carreira profissional e
agora exercidas por adultos, com caminhos ocupacionais restritos e de
menores salários.”
Leandro Horie
observa que todos estes movimentos estão intrinsecamente ligados à
política econômica do período, de baixo crescimento (pelo menos até
2004) e sobrevalorização cambial, prejudicando a indústria,
principalmente a de maior densidade tecnológica, e favorecendo as
atividades industriais de baixa intensidade tecnológica, o comércio e os
serviços. “Mesmo o crescimento econômico recente não foi suficiente
para modificar esta tendência, pois não houve modificação na condução da
economia brasileira”.
O autor da
dissertação atenta que a importância da indústria está tanto no tipo de
emprego que gera, como nos seus desdobramentos em outros setores. “É o
único setor que pode crescer dentro dele mesmo, enquanto os de comércio e
de serviços são dependentes desta dinâmica. E o Brasil passa por um
grande problema: nos países desenvolvidos, a dinâmica foi de crescimento
do comércio e serviços num contexto de maturação do setor industrial;
aqui, a indústria está revertendo à tendência de crescimento sem ter
atingido a sua maturação. Com isso, ela vai se concentrar em setores de
menor intensidade tecnológica e impactar negativamente em outros
setores, sobretudo nos serviços especializados, e em um segundo momento
na demanda de outros setores da economia, já que a renda corrente vai
ser menor”.
Rearranjo do mercado
Na
avaliação de Horie, os dados da PNAD de 1981 mostram que o emprego
industrial era bastante relevante na alta e na média classe média, visto
que envolve conhecimento tecnológico. “Hoje, por causa da queda do
setor industrial, o setor público tornou-se opção para esses estratos e,
se houve crescimento de assalariados entre esses estratos, o setor
público responde por contingente importante, principalmente na alta
classe média. A média classe média, cujo contingente na indústria de
transformação também caiu, viu-se relativamente compensada com o aumento
da prestação de serviços às empresas (derivados das terceirizações) e
como empregadores do comércio”.
Um
detalhe importante é que mesmo diante do crescimento econômico recente, a
proporção de alta e de média classe média em 2009 era de 12,9%,
levemente inferior a 1981 (13,0%), ano de recessão da economia e
caracterizada por uma má distribuição de renda. Outro resultado apontado
na pesquisa é que o estrato da baixa classe média, o mais dinâmico,
teve seu crescimento baseado em atividades econômicas como construção,
educação, saúde, comércio e alojamento e alimentação. Entretanto, a
informalidade, por mais que o emprego assalariado tenha crescido nesse
estrato, continua relativamente estável, oscilando entre 17% e 18% do
total de ocupados.
A massa
trabalhadora, de acordo com Leandro Horie, cresceu no período de 2004 a
2009, graças à ascensão de boa parte dos ocupados “miseráveis”. “A
expansão deste segmento se deveu tanto à política de valorização do
salário mínimo, como ao crescimento do emprego assalariado no comércio,
prestação de serviços e, em especial, nos serviços domésticos.”
Já
para os miseráveis, o pesquisador afirma que continuam restando as
atividades ligadas à agropecuária e aos serviços domésticos, além das
ocupações não remunerados, todas regidas por formas retrógradas de
relação de trabalho ou mesmo de subsistência. “A política de valorização
do salário mínimo permitiu que mais de 10 milhões de ocupados saíssem
da situação de miseráveis, mas a participação do emprego assalariado
nesse estrato tem caído vertiginosamente. O salário continua miserável,
naquele nível do boia-fria, do trabalho por empreitada.”
Criação de empregos
Insistindo
na conclusão de que os trabalhadores da baixa classe média, na atual
conjuntura, chegaram ao seu limite, Leandro Horie prevê que eles terão
de buscar escolaridade e qualificação para almejar um lugar na média
classe média e principalmente na alta classe média. Mas não se trata
somente de aumentar sua escolaridade/qualificação. “Para que essas
pessoas passem aos estratos superiores, será preciso ocorrer algo mais
complexo na economia, que vai ter de criar esses empregos em maior
número. Caso contrário, a pessoa terá um curso superior, mas na falta de
novas vagas, continuará numa atividade que não demanda esta
qualificação. E isso só pode ocorrer caso os pressupostos que colocaram a
economia brasileira nesta situação sejam superados”.
Publicação
Dissertação: “Política econômica, dinâmica setorial e a questão ocupacional no Brasil”
Autor: Leandro Horie
Orientador: Waldir José de Quadros
Unidade: Instituto de Economia (IE)
Autor: Leandro Horie
Orientador: Waldir José de Quadros
Unidade: Instituto de Economia (IE)