sábado, 3 de novembro de 2012

Ao ler entrevistas de líderes petistas, que afirmam não existir "credibilidade alguma"em Marcos Valério, recordei um artigo que escevi em...2005, quando outros ligados ao mensalão não eram críveis...

Correio Popular de Campinas, 28/06/2005
Publicada em 28/6/2005




Roberto Romano
Ética e ovos podres. O feirante petista

Há falta de ética nos discursos petistas da semana anterior. Instaladas as CPI, eles acusam testemunhas. Como Jefferson, a secretária de Valério não seria confiável, devido às acusações contra ela… feitas por Valério! Quem fala assim ignora a lógica e a moral. Os palacianos agridem depoentes, mas exaltam pessoas cuja luta “há vinte anos” seria inatacável. A ética não garante título em cartório com firma reconhecida. Ela é próxima do banho de sol: se a exposição for longa e repetida, a cor morena permanece e pode ser vista de longe. Mas se o tempo sob os raios solares é curto e não repetido, não há como exigir que se perceba bronzeado onde existe pele alva. Se acham a metáfora ruim, aviso que ela vem de Platão. Honestos durante décadas, quando assumem algum poderio, podem revelar algo feio. Kant distingue o ato feito por dever e o realizado segundo o dever. Um honesto instalado no palácio governamental que age por dever, confirma os valores e atitudes pretéritas. Quem, em caso oposto, porta a máscara virtuosa por medo ou desejo de recompensa política, age segundo o dever. O governo é o crisol onde se verifica o caráter. Quem só parola sobre ética, perde a máscara na riqueza ou poder inesperados.

Os inteligentes percebem a mudança sofrida pelo novo rico ou recém poderoso. E não podem conter o riso merecido pelo hipócrita que finge moralidade, mas está preso ao deboche ou proclama rigor jacobino em pleno luxo. O choque entre o alegado e o efetivo gera a sátira. “Só o riso é devido à vaidade” diz Pascal. Nas Confissões, Agostinho invectiva a soberba dos poderosos. Quando sobem aos palácios os humildes de mentira ficam cheios de si, não percebem os perigos das salas repletas de aduladores e oportunistas. O santo usa o termo clínico “inchaço” para definir a soberba. A mesma palavra se aplica, desde o saber médico helênico, à febre e à estupidez temporária em que se encontra o doente, seguindo-se a desrazão. Com origem no grego – thypho – a palavra surge na língua clássica com sentido cômico. Thyphedanos, em Aristófanes, quer dizer o estúpido que tem o intelecto nas nuvens (As Vespas). No PT de hoje, a forma de agir é febril, ridícula.

Quando acuso a liderança petista, viso em especial a soberba exalada por todos os seus poros. O adoecido de orgulho não escuta aliados que mostram o abismo. Ele ouve o som mavioso da lisonja. Foi assim que Roberto Jefferson e outros se instalaram no Planalto e conduziram o governo, na flauta, aos tormentos de hoje. Jefferson foi escolhido, adulado, amado pelos governantes. O nome dessa mania foi posto pelo bom La Boétie: “servidão voluntária”. Jefferson foi dito “companheiro” pelo presidente. Após o estouro no Correio, ele recebeu “solidariedade” presidencial. Compare-se o tratamento dado a petistas históricos expulsos do partido, humilhados, sem o direito de falar aos antigos “companheiros”. Estabelecida a comparação, percebe-se o que “arrogância” e tolice significam no PT. O “companheiro”, assim que denunciou as falcatruas tornou-se “bandido”, “mentiroso”, “canalha” etc. Metamorfose sofrida por ele ou pelos petistas? Os dirigentes e militantes, apesar das juras ao “materialismo dialético” (teriam lido a Grande Lógica hegeliana, como Lenine? Duvido) pensam abstratamente. Quando apontam Jefferson apenas como pessoa sem escrúpulos, deixam de lado as “virtudes” nele alardeadas ainda ontem. Pensa abstrato quem diz que as denúncias são “inaceitáveis” dado o pretérito da testemunha. O pior bandido quando indica nomes, lugares, montantes, procedimentos, deve ser ouvido e sua fala precisa receber investigação séria e cautelosa.

Cito uma anedota contada por Hegel. “Senhora, os seus ovos estão podres! diz a jovem à feirante. Nem pensar, replica a velha, meus ovos podres? Você deve estar podre! E diz isso dos meus ovos? Você? Os piolhos não devoraram o seu pai nas estradas? E sua mãe, não fugiu com um francês, e sua avó não morreu num hospital de caridade? (…) Sabemos muito bem onde você consegue seus lenços e chapéus….” (Quem pensa abstrato?). Comentário hegeliano: a velha pensa abstrato ao incluir a moça, o lenço, a familia no “crime” de achar que os ovos estão podres. Recorrer à sua falta de credibilidade é tática para esfumaçar o objeto em debate. Ovos podres? O pensamento concreto investiga para saber a causa. Eles se deterioraram por muitas razões. O feirante honesto devolve o dinheiro ao cliente (bandido ou prostituta) e troca os ovos. Enquanto não usa o expediente abstrato, o feirante deve ser visto como honesto. O truque trai a sua falta de honradez.

A Carta ao Povo Brasileiro é um primor de fala abstrata, mercadoria podre de feirante petista. Stedile e amigos indicam “forçação de barra”, “factóide”, “elites” contra o imaculado governo. Não dizem nomes, base de honestidade intelectual. Finanças e agronegócio sonham com a reeleição. Os signatários agridem a imprensa e tropas de choque, a quem só falta o uniforme marrom, ferem jornalistas. O partido de Hitler também se dizia “dos trabalhadores”.