'Matei 255 pessoas e não me arrependo', diz ex-atirador americano no Iraque
Biografia de atirador de elite da Marinha lança luz sobre a psicologia da guerra ao narrar ações em conflito
05 de janeiro de 2012 | 9h 40
LONDRES - Ele diz ter matado 255 pessoas no Iraque e
garante que não se arrepende. "A lenda", "o exterminador" e "o diabo de
Ramadi" são apenas algumas alcunhas pelas quais o atirador de elite
reformado Chris Kyle ficou conhecido entre os colegas.
BBC Brasil
Chris Kyle lutou no Iraque como oficial Seal - em terra, mar e ar
Entre 1999 e 2009, o então oficial do pelotão Charlie, terceiro grupo
da força Seal da Marinha americana, construiu para si uma temida
reputação como o atirador mais letal da história da corporação.
Oficialmente, o Pentágono registra 150 mortes no seu nome - o que em
si já representa um recorde em relação ao anterior, de 109, até então
mantido por um atirador durante a Guerra do Vietnã. Entretanto, Kyle
afirma que sua contagem é maior. Só na segunda batalha de Fallujah, no
fim de 2004, diz, tirou a vida de 40 inimigos.
'Adorei o que fiz'
Em um livro da editora HarperCollins que chega às livrarias
americanas, "American Sniper" - "Atirador de elite americano", em uma
tradução livre e literal - ele relata com detalhes o seu trabalho em
quatro viagens de combate ao Iraque.
"Adorei o que fiz. Ainda adoro. Se as circunstâncias fossem
diferentes - se minha família não precisasse de mim - eu voltaria em um
piscar de olhos", escreve o atirador. "Não estou mentindo nem exagerando
quando digo que foi divertido".
A narrativa é clara - "crua", até, como definiu um crítico literário
americano - e deixa entrever a complexa e tensa psicologia da guerra.
Kyle relata como ao longo da carreira deixou de hesitar ao mirar nas
suas vítimas e passou a desempenhar melhor suas funções sob fogo
cruzado.
Sua companhia Charlie foi uma das primeiras a desembarcar na
Península de al-Faw no início da chamada Operação Liberdade, iniciada em
20 de março de 2003 pelo então presidente dos EUA, George W. Bush.
Cobertura
No fim daquele mês, na área de Nasiyria, os oficiais Seal aguardavam
em um povoado iraquiano a chegada dos marines, fuzileiros navais
americanos, que se aproximavam. No topo de um edifício, Kyle conta que
ele e outros oficiais de seu pelotão tinham como objetivo oferecer
cobertura para os fuzileiros.
Quase todos os moradores se trancaram em suas casas, de onde
assistiam a tudo por detrás das cortinas. Apenas uma mulher e uma ou
outra criança se movimentavam na rua.
Quando os marines se encontravam a certa distância, a mulher tirou um
objeto amarelado de sua bolsa e caminhou em direção aos militares. "É
uma granada! Uma granada chinesa", disse o chefe de Kyle. "Atire". Ao
vê-lo hesitar, o chefe repetiu: "Atire!"
Kyle puxou o gatilho duas vezes, a "primeira e única vez" em que
matou uma pessoa no Iraque que não fosse homem e combatente. "Era meu
dever. Não me arrependo", escreve. "Meus tiros salvaram vários
americanos cujas vidas claramente valiam mais que o daquela mulher de
alma distorcida."
"Posso me colocar diante de Deus com uma consciência limpa em relação ao meu trabalho".
Ódio
O americano do Texas, que aprendeu com o pai a atirar ainda na juventude e virou um boiadeiro de destaque, se converteu em mestre em uma das funções mais controversas em conflitos armados.
O americano do Texas, que aprendeu com o pai a atirar ainda na juventude e virou um boiadeiro de destaque, se converteu em mestre em uma das funções mais controversas em conflitos armados.
Na 2ª Guerra Mundial, atiradores de elite eram considerados
assassinos em série. O recordista mundial de mortes é um atirador
finlandês que naquele conflito tirou 475 vidas russas durante a invasão
da Finlândia pela então União Soviética.
Na guerra contemporânea, onde a precisão é valiosa, esses azes da
mira ganharam status especial. Kyle se orgulha de ter matado um homem a
uma distância de 2,1 mil metros no subúrbio xiita de Sadr City, nos
arredores de Bagdá, em 2008. "Deus soprou aquela bala que o atingiu",
escreve. O recorde mundial nesse quesito é mantido por um atirador
britânico que alvejou um inimigo a quase 2,5 quilômetros no Afeganistão
em 2009.
Assassinatos a tiro cometidos por sociopatas e psicopatas - como o de
Washington, em 2002, ou da ilha de Utoeya, na Noruega, no ano passado -
reforçam uma imagem de frieza desses profissionais. Entretanto, o que
as páginas de "American Sniper" revelam com candura é um ódio profundo
que Kyle nutriu pelo Iraque ("o lugar fedia como um esgoto - o fedor do
Iraque é algo a que nunca me acostumei") e por seus inimigos.
"Verdadeiramente, profundamente odeio o mal que aquela mulher (sua
primeira vítima) possuía. Odeio até hoje", escreve o militar. "Mal
selvagem, desprezível. É isso que estávamos combatendo no Iraque. É por
isso que muitas pessoas, incluindo eu, chamavam os inimigos de
'selvagens'."
'Diabo'
As quatro participações de Kyle em combates lhe renderam prestígio e fama. Os insurgentes iraquianos o batizaram de "al-Shaitan" ("o diabo") e colocaram, em um sentido inclusive literal, a sua cabeça a prêmio.
As quatro participações de Kyle em combates lhe renderam prestígio e fama. Os insurgentes iraquianos o batizaram de "al-Shaitan" ("o diabo") e colocaram, em um sentido inclusive literal, a sua cabeça a prêmio.
O militar diz que sua fama de matador mais eficiente da história das
Forças não é de grande importância. "O número não é importante para mim.
Apenas queria ter matado mais gente. Não para poder me gabar, mas
porque acho que o mundo é um lugar melhor sem selvagens à solta tirando
vidas americanas."
Reformado de sua função em 2009, ele hoje vive no Texas, onde é
diretor de uma empresa que presta serviços para as Forças Armadas
americanas, treinando atiradores de elite.
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